https://www.instagram.com/we.holon/ https://www.linkedin.com/company/weholon https://www.facebook.com/weholon-102415231543436

28 minutos e 2 cadeiras

11 de agosto de 2020 por Cláudia Miranda Gonçalves

“Uma pessoa não é uma entidade única de uma mente única:  o humano é construído de diversas partes, todas competindo para guiar o barco do estado.  Consequentemente, as pessoas são cheias de nuances, complicadas, contraditórias. Agimos de maneiras que são às vezes  difíceis detectar pela simples introspecção. “

David Eagleman, neurocientista e autor, nos brinda com essa reflexão sobre nossa realidade. Essa compreensão torna o trabalho sistêmico ainda mais relevante e natural diante de como funcionamos.

Mais do que inspecionar nossas próprias ideias, a introspecção e autorreflexão devem incluir e se beneficiar das informações valiosas sobre o ambiente que o corpo captura. Graças aos nossos neurônios espelho, verdadeiras “antenas de rádio” que capturam informações sutis do ambiente, temos muita informação do ambiente processada pelo corpo. O acesso a esse acervo é muito simples, embora não praticado: entender o nosso sentir. Falo aqui de escutarmos nossas sensações, perguntar o que elas trazem de informação. O trabalho sistêmico em constelações ou coaching sistêmico se beneficia ao integrar o pensamento racional e analítico ao sentir, trazendo uma visão mais completa das situações e assim soluções mais efetivas.

Hoje descrevo um trecho de uma sessão de coaching executivo sistêmico e convido você a dar uma espiada em como essa abordagem diferente pode fazer a diferença. Faço isso porque se fala cada vez mais do trabalho sistêmico (em sistemas vivos) e gostaria de aproximá-lo mais das pessoas e organizações.  O trabalho sistêmico tem seus valores intrínsecos de inclusão (Lei do pertencimento) e respeito (ordem: quem veio antes, quem veio depois, o que cada um fez ou como contribuiu), integridade e transparência (trocas justas, accountability).

Foi 28 minutos o tempo de sessão necessário para uma mudança que fez a diferença. No momento inicial da sessão de coaching na sexta-feira, eu estava diante de uma executiva altamente ansiosa.

Pandemia, uma filha de 1 ano de idade, um trabalho no Vale do Silício que adorava, mas que por uma restruturação, iria lhe demandar muito mais, incluindo fusão de dois times, lidar com o par que iria para outra área enquanto ela assumiria sozinha o que antes os dois faziam em times distintos. Não bastasse esse desafio, foi convocada para participar de uma due dilligence e um planejamento para 3 anos.

Focamos na passagem de bastão do time que irá, junto com o time dela, compor a nova estrutura de 50 pessoas. Primeiro lhe perguntei quem faria o anúncio na segunda-feira. Ela e o gestor, que também estava partindo para outro desafio. Perguntei o que sentia. Ela falou do dilema: “A questão é se faço as mudanças do meu jeito rapidamente ou se olho mais para o time. O outro ponto é que o antecessor não gostou dessa mudança.”

Pedi que pegasse uma segunda cadeira. E lhe disse que nessa cadeira estaria o time novo dela. Ainda em sua cadeira, quando perguntei como sentia, respondeu que estava um pouco ansiosa.  Pedi que se levantasse e trocasse de cadeira, e entrasse em contato com as informações do time. Ela sentiu que o time estava com muitas dúvidas, sem saber o que iria acontecer.  Com esta informação, pedi que voltasse para sua cadeira. Perguntei qual a diferença e ela disse que estava um pouco mais calma de entrar em contato com o time. A essa sondagem somática chamamos de conhecimento incorporado (vivido no corpo). Pedi que dissesse ao time: “Eu vejo vocês.”  Depois de repetir por três vezes o “Eu vejo vocês”, solicitei que retornasse à cadeira do time e checasse se algo aconteceu. Sim, o time também estava mais relaxado e contribuindo.

Essas trocas de cadeira abriram um espaço para que ela saísse do OU para se ver trabalhando em conjunto com o time. Ofereci trabalharmos sua fala para segunda-feira. Depois da terceira ou quarta frase a interrompi e provoquei: olha, você já me perdeu aqui; está falando rápido (fala mental, sem presença de fato) e não me sinto vista. Pedi que olhasse para uma foto com muitas pessoas que compartilhei na vídeo-chamada, imaginando que eram seu time. Pedi que repetisse o “Eu vejo você” mentalmente e respirasse. E recomeçou.

Sua fala tornou-se mais lenta e dirigida para as pessoas. Falou com sentimento, de tal forma que cada palavra ali transmitia tanto o conteúdo quanto a intenção por trás do conteúdo. Eu me senti tocada por sua fala.

Mas, tendo em conta as leis sistêmicas, sabia que até ali havíamos trabalhado questões de pertencimento. Ainda tínhamos mais um pedacinho…Honrar o antecessor. Reconhecer quem veio antes e suas contribuições é muito importante, mas tem que ser verdadeiro. Pedi que refletisse sobre algo que genuinamente admirasse como contribuição de seu antecessor. E repetimos o processo, agora incluindo um agradecimento ao seu antecessor. E nesse momento ela olhou no relógio e falou “Nem acredito que já conseguimos tanto em apenas 28 minutos.”

Até aqui na sessão a executiva teve a oportunidade não só de usar sua mente analítica brilhante, mas de integrar a ela as sensações e sentimentos, ou inteligência somática, para ter um quadro mais completo. Explorar a situação chegando até ao role play também lhe trouxe informação e lhe deu uma chance de treinar como sair de seu piloto automático.

Espero que o exercício de trocar de cadeiras lhe sirva em momentos importantes, pois ajuda muito a ampliar a visão, incluindo uma maior diversidade de pontos de vista. Pratique a sabedoria incorporada, em que integramos mente e corpo conforme a natureza nos projetou.

Texto originalmente publicado no Blog Lentes de Decisão no Estadão em 11/08/2020

Voltar

Este site utiliza cookies para melhorar a sua experiência. Nós assumimos que isto é ok para você, mas você pode desativar se quiser. Estou de acordo.
Se você quiser entender melhor o uso dos cookies veja mais aqui – Política de Cookies.

Concordar e fechar