Gentileza Importa
Faz alguns anos eu estava liderando uma área há três meses e me dirigia a mais uma reunião com meu chefe e um par para discutirmos o orçamento. Tínhamos que abordar uma questão importante que envolvia o impacto de um projeto. As discussões se tornaram acaloradas quando apresentei os pontos que precisavam ser revistos. O tom de voz se elevou, os corpos se inclinaram sobre a mesa em minha direção e as palavras foram pronunciadas com força, sem pausas.
Naquela situação, me senti impotente e profundamente frustrada, sem muito o que fazer. Nem mesmo argumentos lógicos ou números eram capazes de romper o que estava acontecendo ali, havia um padrão estabelecido. Eu não estava sendo ouvida, minhas palavras não tinham peso. Respirei fundo e optei por me calar. Claramente argumentos e perguntas não eram direcionados na intenção de um diálogo.
Embora tenha parecido uma eternidade, a reunião terminou rapidamente após esta situação. Retornei à minha sala para processar o que havia acontecido, estava habituada a lidar com questões delicadas envolvendo valores financeiros relevantes e a trabalhar em ambientes onde eu era a única mulher. Mas, neste caso, foi diferente.
Conversei com meu chefe naquele mesmo dia, o espaço de tempo entre a reunião e a conversa ajudou a eliminar julgamentos e focar nos fatos recentes e vivos. Expressei meu incomodo e deixei claro que, não gostaria que esse tipo de tratamento se repetisse. Foi uma conversa difícil.
Me senti muito sozinha, na época, não havia muitas referências de mulheres na liderança ou mentoras que estivessem trilhando caminhos semelhantes. Não falávamos tão abertamente sobre assédio moral e a área de RH cuidava mais dos processos do que das pessoas.
Durante um tempo, tomei a decisão consciente de não me envolver em discussões improdutivas. Sabia que precisava encontrar maneiras de ser ouvida e respeitada, e que os conflitos eram necessários para promover mudanças. No entanto, acredito que eles devem ocorrer de forma madura. Entre erros e acertos fui descobrindo o que poderia funcionar para mim e como poderia influenciar meu ambiente e as pessoas ao meu redor para melhor.
Hoje percebo que tudo começou pela gentileza, porque a gentileza importa quando precisamos enfrentar desafios complexos que envolvem transformações e mudanças profundas. Comecei com a gentileza comigo mesma. Sem me nutrir e cuidar do meu estado interior, não posso me colocar íntegra na busca pelo que é justo e necessário. Optar por respirar e me calar durante a discussão acalorada foi respeitar meus valores. Enfrentar uma conversa difícil quando os fatos ainda estavam vivos foi cuidar do que era importante para mim. E em todo o tempo, fui gentil comigo mesma, entendendo meus limites, aceitando meus erros e não buscando a perfeição.
A gentileza com o outro é importante também. Oferecer escuta, cuidado e respeito é ser exemplo e viver a mudança que quero que aconteça, mesmo quando o mais fácil é desistir ou perpetuar comportamentos tóxicos existentes. Nas semanas, meses e anos seguintes, trabalhei com minha equipe para desenvolver uma visão de propósito, reconhecer e valorizar ideias e contribuições. Reforcei a importância do feedback e adotei uma linguagem focada em fatos e necessidades, sempre respeitando e sendo empática com as pessoas. Mediei conversas difíceis, buscando entender diferentes perspectivas e incentivando um diálogo construtivo. Reconheci os esforços de todos e celebrei as conquistas juntos.
Criei um espaço de reflexão para as mulheres, onde pudemos falar abertamente sobre o que nos incomodava e nos apoiarmos mutuamente. O resultado foi um grupo mais confiante e com mais autoestima que proporcionou novas visões em nossas reuniões de diretoria.
A gentileza gera gentileza e essa atitude me ajudou a ganhar o respeito dos meus pares. Com isso, criamos conexões que geraram trocas e ideias diferentes para superar as dificuldades e tornar alguns processos mais leves e divertidos.
As batalhas foram diárias, e depois de alguns anos, quando fui mandada embora estava consciente de todo o movimento que fizemos e do tempo de todas as coisas. Hoje, essas experiências me motivam a trabalhar com as lideranças, promovendo diálogos que ajudam a tecer conexões verdadeiras e transformar ambientes tóxicos que estão fazendo as pessoas adoecerem cada vez mais.
Acredito que a gentileza é um ato de coragem e não um sinal de fraqueza. Ela abraça a nossa humanidade e é capaz de gerar transformações profundas. Falar de amor, gentileza e humanidade é essencial para criar um mundo melhor e mais justo para todos.
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