
Engajamento: O Que Está Morrendo em Nós?
Vamos começar com dados: o percentual global de funcionários engajados caiu de 23% para 21% em 2024[i] — uma queda registrada apenas uma outra vez nos últimos 12 anos, durante o lockdown da Covid-19.

Segundo a Gallup, essa queda está relacionada principalmente ao engajamento dos gestores. O índice de engajamento entre colaboradores individuais permaneceu estável (18%). Em especial, observou-se uma diminuição entre gestores com menos de 35 anos (queda de 5 pontos percentuais) e gestoras mulheres (queda de 7 pontos).
Esse resultado chega justamente quando a entrada massiva da Inteligência Artificial começa a ressignificar o valor humano nas organizações, aumentando a ambiguidade e redesenhando a natureza do trabalho e dos papéis.
Engajamento envolve um compromisso emocional, cognitivo e comportamental. As pessoas se engajam quando se sentem seguras, disponíveis e conectadas com o sentido do que fazem.
Em um trabalho recente voltado à resolução de problemas[ii], uma participante relatou sentir-se altamente engajada ao perceber que lidava com um desafio real, urgente e importante. A presença de outras pessoas com o mesmo desejo de avançar gerou energia coletiva inspiradora. Ela reconheceu a contribuição única que pôde oferecer — e isso fez toda a diferença.
Esse exemplo ilustra um caminho promissor para organizações que desejam romper com o ciclo vicioso que ameaça processos de inovação e transformação.
Ciclo vicioso:
Gestores desengajados → decisões frágeis, liderança inconsistente, pouca energia relacional → equipes menos engajadas → mais pressão sobre o gestor → ciclo se retroalimenta
Mas há outro caminho possível:
Ciclo virtuoso:
Gestores valorizados e com propósito claro → atuam com autenticidade em ambientes seguros → colaboram com curiosidade e escuta → sentem-se mais engajados e inspiram suas equipes → equipes mais autônomas e conectadas → ciclo se fortalece
Em tempos de redefinição de papéis, os gestores não podem ser apenas espectadores. Precisam participar ativamente desse redesenho, encontrar espaço para aprender, errar, testar e questionar. É fundamental que reconheçam onde estão, qual é seu papel, e o que desejam contribuir. É um convite à reconexão com o “porquê” de estarem ali.
A sobrecarga que hoje recai sobre os gestores precisa ser repensada. Para isso, é urgente quebrar estruturas hierárquicas rígidas e investir em modelos de liderança distribuída, que promovam mais autonomia e corresponsabilidade. É nesse contexto que a cocriação ganha força — seja na definição de metas, nos processos ou na entrega de valor.
Com tantas incertezas e a ascensão da IA, há um risco crescente de perdermos a consciência dos múltiplos papéis que desempenhamos na vida cotidiana. Seguimos como máquinas em busca de produtividade, likes e reconhecimentos vazios. Para mudar esse cenário, precisamos de clareza sobre os papéis e intencionalidade nas ações — é isso que sustenta o engajamento mesmo sob pressão.
Gosto de usar perguntas em momentos de inquietação. Elas provocam movimento. Elas ajudam a reimaginar o que parece parado.
Deixo aqui algumas delas, como convite à reflexão e ao reengajamento:
- O que ainda faz sentido para mim no trabalho que realizo hoje?
- Que papel eu gostaria de assumir neste momento de mudanças?
- Como posso convidar mais pessoas para participar das decisões que hoje carrego sozinha(o)?
- O que está drenando minha energia no trabalho — e o que está ao meu alcance mudar?
- Qual pequeno experimento posso fazer esta semana para testar uma nova forma de engajar minha equipe?
Os números de engajamento em queda não são apenas dados em um relatório. Eles refletem pessoas reais, atravessando um tempo de profundas transformações, tentando manter acesa a chama do propósito em meio à sobrecarga, à incerteza e à solidão que, muitas vezes, acompanham os papéis de liderança.
Engajamento não é um comando que se impõe — é uma cultura que se cultiva. E essa cultura começa nos espaços onde podemos ser inteiros: onde se escuta com intenção, se aprende com liberdade e se compartilha com generosidade.
Em tempos de transição, cada pequena pergunta pode ser um convite para um novo tipo de presença. Não precisamos de respostas perfeitas — precisamos de coragem para perguntar, de ousadia para experimentar e de vínculos que nos lembrem que não estamos sozinhos.
O engajamento floresce onde há propósito, pertencimento e potência. E tudo isso começa com um gesto: escolher participar.
[i] Pesquisa Gallup State of Global Workplace report 2025 https://www.gallup.com/workplace/349484/state-of-the-global-workplace.aspx
[ii] Sessão de Action Learning com um grupo de líderes para resolução de problemas
Originalmente publicado no Blog Lentes de Decisão do Estadão Digital em 23/04/2025