Rachaduras e Wabi Sabi
Temos o seguinte padrão em momentos em que nosso chão treme: ideias novas são suprimidas, negadas, ou ainda ridicularizadas. Nicholas Klein, em 1918 disse a seguinte frase, algumas vezes erroneamente atribuída a Ghandi: “Primeiro te ignoram, depois riem de ti, daí te combatem, e aí você ganha.”
Existe uma inegável fricção entre os que se agarram aos padrões em vigor e os pioneiros em adotar algo novo. Essa fricção gera rachaduras nos sistemas, mas podemos ouvir essas rachaduras acontecendo. Eis alguns dos sons dessas rachaduras.
Os acordes da dodecafonia nos sistemas
Nos sistemas vivos observamos alguns indicadores em comum quando mudanças estão para acontecer, ou já estão em curso. Alguns deles são:
Pouco antes de um ciclo de adaptação romper ou abandonar um determinado status quo, é comum um aumento na rigidez da ideologia em vigor. Essa rigidez em se agarrar à visão corrente sobre o mundo ou paradigma e a recusa em ver o paradigma emergente pode acontecer em setores diferentes, como educação, ciência, negócios, militar. Algumas perguntas que podem ajudar a notar se há rigidez e sinais de rachaduras:
Aumentou a frequência ou gasto de energia? Aumentou a rigidez da ideologia? A necessidade maior de controle pode indicar que o paradigma atual está ineficiente. Em outro canto, já vem surgindo algo novo, que cresce meio rápido? Conhecemos bem a diferença entre esses dois gastos aumentados de energia – a energia gasta para manter algo como está normalmente tem uma qualidade e gera desgaste bem diferente do cansaço gostoso de quando estamos desencadeando algo novo.
Aumento da resistência. Outro sinal de transformação no sistema é o nível de resistência e demonstração de poder para reafirmar o paradigma vigente. Essa força é maior quanto mais se aproxima o esgotamento do padrão.
Vozes que defendem as antigas formas de fazer as coisas ou a antiga visão de mundo ficam mais e mais altas. Esse volume alto tenta calar algo novo que vem na tentativa de trazer evolução e transformação.
E se, em lugar de resistir, fossemos mais parecidos com a natureza e nos adaptássemos com maior facilidade? Desastres naturais como incêndios, terremotos redefinem e recompõem os sistemas. Mas somos nós que chamamos esses eventos de desastres; não sei se a natureza os vê assim. Talvez a natureza prefira referir-se a esses eventos por wabi sabi.
Wabi Sabi
A natureza pratica a regeneração, que, em sistemas vivos, permite a evolução quando uma forma (paradigma, visão de mundo) não pode mais dar sustentação ao futuro da vida (as gerações a seguir).
A nossa dificuldade é que nos apaixonamos pelas formas (receptáculos) que criamos para estruturar ideias, programas, processos. Criamos leis para manter as formas tradicionais de poder e privilégios. Nas organizações criamos estruturas e processos que mantêm hierarquias e modelos de compensação por muito mais tempo do que sua real utilidade. Precisamos pensar em novas formas, menos rígidas, para que nossos sistemas possam evoluir e nos servir enquanto humanidade.
Deixar ir o que já não serve é bem diferente de descartar as sabedorias das tradições. O wabi sabi para mim representa a beleza da vida (im)perfeita. As assincronias, assimetrias, rachaduras e quebraduras. Todas essas coisas são celebradas pelo wabi sabi (um exemplo clássico são as porcelanas quebradas que são coladas por um fio de ouro). O fio de ouro conta uma estória, tem ali uma sabedoria e reconhecimento e “evolução” da peça.
Algumas formas novas de gestão são muito próximas do wabi sabi – são vivos, aceitam choques, mudanças e se fortalecem no processo. Gestão mais colaborativa, holacracia, equipes mais empoderadas. Metas de curto prazo, MVP…e por aí vai. Novo? Nem tanto.
Eu nos deixo aqui com a pergunta:
O que pode nos ajudar a todos, sem deixar ninguém de fora, a regenerar nossa sociedade e nossa forma de viver?
Texto originalmente publicado no Blog Lentes de Decisão no Estadão em 30/06/2020
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