
A experiência do tempo
Escrevo estas palavras na situação, que era quase inevitável, de ser mais uma entre milhares de gente com um teste positivo para Covid-19.
Com sintomas leves, mas claramente presentes, me encontro ainda mais limitada dentro de meu espaço, distante do convívio, dos abraços e das decisões diárias que parecem dar sentido ao tempo.
Daqui parece que tudo é um pouco mais lento, como se o tempo estivesse suspenso: aguardo a próxima refeição, a próxima ligação, minha próxima escolha.
Me vendo impedida de ação e limitada é como se não pudesse viver. Mas a verdade é que não, o tempo não fica suspenso, e a vida sim, continua.
Através do movimento do planeta em torno do sol calculamos os segundos, minutos, horas, dias, … mensuramos o tempo, mas daqui deste quarto esta ideia parece uma bobagem.
Vivo o tempo no meu tempo! Ele tem a “duração” que eu decido.
Me lembrei de quanto esperei para ver pela primeira vez o rosto de meus filhos, e agora, comemorando seus aniversários, quanto levou pra se tornarem adultos… o primeiro demorou uma eternidade e o outro passou voando!
A experiência do tempo é isso, não importa se as horas são as mesmas, o que importa é a qualidade e a intensidade com que fazemos a escolha de vive-lo.
Minhas decisões e caminhos é que dirão quanto fiquei aqui. E enquanto escrevo, reflito sobre o que tenho feito de cada dia, todo dia.
Se no começo corri para as redes sociais como forma de me manter conectada com o mundo, e com isso “negar” meu isolamento, foi rápido descobrir que a experiência do tempo seria melhor se abandonasse este padrão e me propusesse a um mergulho mais profundo em mim mesma.
Se achei que a casa precisaria de mim para seguir seu ritmo e tentei estar presente para além das paredes do quarto, o cansaço logo me mostrou que posso receber e ser cuidada com a confiança naqueles que hoje podem olhar por mim.
Aceitar novos caminhos tem trazido muitas oportunidades, surpresas e risadas que levarei como marcas para os dias mais a frente. A experiência do tempo!
Com atenção redobrada à respiração, observo e reconheço momentos de angústia e ansiedade, de calma e coerência e procuro aceitar o que está vivo em mim para poder decidir para agora o que faz mais sentido.
A falta do paladar e olfato tem desafiado minhas lembranças e memórias e fica claro à consciência de que o tempo não voltará e que não há como me apegar a nada, pois não é possível segurar o tempo, o único que poderei me apropriar no final é a experiência que for capaz de construir.
Enquanto somos capazes de decidir e estamos conscientes das nossas escolhas somos capazes de dar sentido ao nosso tempo, um tempo que passa e acaba e pode ficar desapercebido se aguardamos o momento ideal, o que está por vir, o amanhã…
A vida acontece todo dia, inclusive quando estou aqui, e por isso sigo vivendo sem esperar pelo fim deste período, buscando sentido e fazendo o melhor possível por agora.
Começo a ter certeza que quando a porta do quarto se abrir além de ter enfrentado as batalhas biológicas, também terei explorado novos caminhos e descoberto novos lugares em mim que antes nem sabia existir.
A experiência do tempo é como fazemos nossa vida acontecer, o que somos capazes de construir. Sem certeza do momento exato de nossa finitude, é no aqui e agora que criamos as marcas que vão dizer se valeu a pena.
Enquanto houver tempo, haverá tempo para ser muito feliz!