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A FALÊNCIA INVISÍVEL: QUANDO O ROI IGNORA A PRÓXIMA GERAÇÃO

03 de junho de 2025 por Cláudia Miranda Gonçalves

Texto originalmente publicado na coluna Lentes de Decisão, Estadão Digital, caderno de Economia e Negócios, em 03/06/2025.

https://www.estadao.com.br/economia/lentes-de-decisao/a-falencia-invisivel

Decisões guiadas só por eficiência financeira estão produzindo um rastro de esgotamento humano e talento desperdiçado. Há quem já esteja hackeando o sistema – e o vírus é pura dignidade.

Imagine que, em 2095, sua trineta abra a cápsula do tempo corporativa de 2024. O que ela encontrará? Relatórios impecáveis de EBITDA e uma pilha de crachás de gente exausta. Se esse futuro lhe parece desconfortável, troque de lente: decisões que não atravessam sete gerações já nascem obsoletas.

O ponto cego é antigo: confundimos custo com dinheiro e lucro com planilha. Ética, sustentabilidade, humanidade e dignidade ficam na aba “responsabilidade social”, enquanto o core business chuta poeira tóxica para debaixo do tapete. Resultado? Empresas com turnover recorde, profissionais em burnout crônico e um estoque silencioso de talento invisível — mulheres que pausaram a carreira, cuidadores pluri-função, gente sênior eclipsada por fetiche etário.

Os alertas já soam. Regulamentação climática europeia agora exige disclosure de impacto até na cadeia de fornecedores; fundos de investimento dão desconto de capital para práticas laborais regenerativas; consumidores rastreiam pegada de carbono e de dignidade com o mesmo QR code. Essas ilhas ainda não formam continente, mas o nível do mar da accountability subiu   e quem não aprender a nadar afunda.

No epicentro dessa maré surgem iniciativas concebidas para liberar, não consumir, energia humana. A HUG, por exemplo, construiu um “match” que começa onde os algoritmos de RH terminam: traduz histórias de vida em valor de mercado. Ao redesenhar funções para caber experiência de mãe multitarefa ou currículo com hiato sabático, a empresa realocou mais de R$ 25 milhões em salários e cortou custos de rotatividade em clientes como o Grupo Boticário. Detalhe: 75 % das recolocações envolvem mulheres que a planilha chamava de “risco”.

Mas o texto de hoje não é propaganda. É provocação: por que isso ainda soa exótico? Qual custo sistêmico pagamos por ignorar essa energia?

  • Horas fingindo produtividade em open office = carbono emocional desperdiçado.
    • Burnout recorrente = falência energética que devora INSS, criatividade e laços comunitários.
    • Processos seletivos que filtram “gap de currículo” = aterro sanitário de saberes tácitos, como negociação de conflito, gestão do caos doméstico e logística de vida real.

Se quisermos um capitalismo capaz de durar mais que o ciclo de vida deSe quisermos um capitalismo capaz de durar mais que o ciclo de vida de um iPhone, precisamos recalibrar o algoritmo das decisões agora – e ele cabe em seis linhas de código baseadas nos pilares que esta coluna não se cansa de martelar.

  1. Ética: considere, em cada escolha, quem ganha e quem perde quando ninguém está olhando.
  2. Sustentabilidade: trate a energia humana como recurso renovável – e lembre-se de que renovável não significa inesgotável.
  3. Humanidade: currículo é biografia; lacuna, capítulo. Leia tudo.
  4. Dignidade: flexibilidade não é agrado, é pré-requisito para que gente real possa existir fora do crachá.
  5. Visão sistêmica: burnout em massa vira gargalo de supply chain, afeta marca, aumenta prêmio de seguro e derruba valuation.
  6. Sete gerações: pergunte se a consequência do seu bônus trimestral ainda será aceitável quando sua trineta clicar em “open file”.

Ferramenta prática (90 segundos)
Antes de aprovar o próximo orçamento, pare, feche o laptop e preencha mentalmente três campos:
• Quem se beneficia? (nome, rosto, história)
• Quem paga o preço oculto? (idem)
• Como essa equação soa ao ser contada em 2095 por alguém que carrega o seu sobrenome?

Se a resposta provocar rubor, reescreva o plano.

Não se trata de filantropia, mas de blindagem estratégica. A meta-análise global da Gallup (2020) demonstra que equipes situadas no quartil superior de engajamento entregam 23 % mais lucratividade. Já um experimento controlado conduzido por Nicholas Bloom, da Stanford University, com 249 colaboradores da Ctrip (Quarterly Journal of Economics, 2015) mostrou que combinar trabalho remoto com maior autonomia reduziu a rotatividade em 50 %. Multiplique isso pelo custo de recrutar, treinar e, depois, remendar a reputação de uma marca que queima pessoas como se fossem combustível fóssil. O número assusta menos que o silêncio de talentos que simplesmente desligam a câmera – e o coração – enquanto você exibe o dashboard de OKRs.

A HUG é um excelente protótipo do que acontece quando escolhemos o fogo certo: aquele que aquece, não queima. O próximo passo é seu. Imagine, outra vez, a cápsula do tempo. O que você quer que sua trineta encontre? Gráficos ascendentes sustentados por um cemitério de crachás ou relatos de decisões que multiplicaram energia, não exauriram?

Porque, no fim, ROI é consequência. Energia humana é causa. E a história que as próximas sete gerações contarão sobre nós dependerá de qual dessas verdades estivermos dispostos a incendiar hoje.

Fontes:

  • Conversa com Gustavo, founder da HUG
  • Gallup (2020) “Employee Engagement Meta-Analysis: 10th Edition”.
  • Bloom, N., Liang, J., Roberts, J. & Ying, Z. «Does Working from Home Work? Evidence from a Chinese Experiment», Quarterly Journal of Economics, v.130 n.1, 2015.
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