
As Histórias que Contamos
Assisti recentemente a um vídeo do “Médicos Sem fronteira” sobre o material que utilizam em suas comunicações para levantar fundos e envolver as pessoas em sua causa.[i]
Este vídeo trouxe várias reflexões, me desafiou a pensar como posso ampliar meu nível de consciência sobre as histórias que me envolvem e capturam todos os dias, e sobre o que conto ou reproduzo para atender meus interesses em um contexto complexo.
Para levantar fundos e movimentar as pessoas buscamos histórias que toquem, mas nossa resposta tem raízes que podem ser difíceis de absorver, como o colonialismo, reagimos inconscientemente de forma favorável quando as imagens que nos chegam são de mulheres e homens brancos atuando diante da pobreza e fome extrema, nos reconhecemos neles como “salvadores” e contribuímos.
Ao nos mostrar a “foto completa” este vídeo quebra este padrão e nos convida a conhecer ou reconhecer uma diversidade que não é mostrada, e interrompe a propagação de uma história contada múltiplas vezes a partir de uma só lente fortalecendo e perpetuando estereótipos.
Ao assumir e nos mostrar que existe um recorte na foto e que esta visão não nos serve mais como humanidade, o vídeo é um convite a entender que toda vida tem o mesmo valor e o mesmo direito a um tratamento digno, independentemente da perspectiva que é apresentada.
Um posicionamento corajoso e honesto que torna transparente a diversidade de voluntários que atuam de forma silenciosa e ajudam a acessar por novas lentes uma mesma realidade.
Um soco no estomago, porque diante do todo somos provocados a focar na solidariedade e justiça humanitária e decidir o que acontece agora que conhecemos a história completa. Seguir nutrindo a causa, conscientes de que não se trata de ter pessoas brancas no centro de toda história, não que elas não estejam lá, mas porque este é só mais um recorte da realidade.
Na TED Talk de Chimamanda Ngozi Adichie[ii] ela nos fala sobre o perigo de uma história única e da importância de que todos percebam que nossa vida é composta de muitas histórias sobrepostas, e do que significa nos limitar e aceitar conviver com uma só versão.
Acessar as muitas versões é libertador e nos coloca em um lugar privilegiado para promover transformações e viver de forma mais plena, mesmo que no início exija esforço e possa parecer confuso e assustador.
Consigo perceber como estes pontos são importantes quando estou atuando em um trabalho de coach e observo a necessidade de provocar a quebra de um padrão, estimular a ação em direção aos sonhos, desenvolver novas habilidades e, ou desafiar crenças.
As perguntas que busco são o convite a explorar diferentes perspectivas, a olhar para a situação, ou para si mesmo por outra lente, e são essenciais para ajudar a criar um caminho, e provocar novas sinapses.
Sem perceber buscamos experiências que reforçam nossas crenças, e apesar de vivermos histórias diferentes, partimos de uma mesma perspectiva, contando de um mesmo lugar as histórias já contadas há tempos na família, no trabalho, no grupo de amigos.
Isso limita nossos sonhos, nossas possibilidades, nossas conexões… vamos recheando nossa visão de detalhes e fantasias e generalizamos nossas experiências. “Compramos” a história única, o recorte da foto, e passamos a ter medo de dizer não, nos sentimos farsantes em nossas próprias conquistas, nos isolamos nas nossas verdades, buscamos conforto no nosso desconforto, culpamos o outro e não sabemos trabalhar coletivamente.
Para desconstruir e provocar busco apoio no processo de escuta profunda, no aguçar a curiosidade, buscar os fatos e observá-los por diferentes ângulos, aceitar com humildade que temos somente um ponto de vista e por isso precisamos de outras pessoas, outras experiências para formar a fotografia “completa”.
Ao buscar e conhecer as realidades de diferentes perspectivas passamos a tomar decisões mais conscientes e inclusivas rompendo ciclos de comportamentos automáticos.
E se nos deixarmos atravessar por cada história, acabamos por enriquecer nossa própria existência, pois somos feitos de todas as diferentes histórias, como indivíduos e como humanidade.
Não podemos nos satisfazer com uma única versão, a vida é plural e precisamos aprender a integrar para decidir a história que queremos contar com consciência e liberdade.
[i] https://youtu.be/btO8tehhlcE
[ii] https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt