Decisões de carreira – pensar com sentir
Certamente, em termos de carreira, vivemos num período extremamente rico e vasto de possibilidades. Nunca houve tantas opções como hoje. Porém, um pouco na contramão do que se imagina, o excesso de possibilidades nos dificulta a tomada de decisão. Num experimento da Universidade de Columbia sobre escolhas (ou seja, decisões), comparou-se o nível de conforto e satisfação com a escolha exercida com (A) duas opções; (B) 6 opções e (C) 22 opções. Perguntados sobre como foi escolher, em geral as pessoas do grupo A acharam que 2 opções era pouco, mas ok. No grupo B o estudo obteve o maior número de pessoas com CLAREZA em seus critérios de escolha e SATISFEITOS com a decisão que tomaram. O terceiro grupo foi o que registrou o menor índice de satisfação com suas escolhas, manifestando um MEDO de estarem perdendo uma opção melhor. Da experiência relatada pelo terceiro grupo nasceu o FOMO (fear of missing out), ou Medo de Perder Algo.
Dado que talvez estejamos mais para as 22 possibilidades do que para 6 em termos de caminhos a seguir na carreira, o que fazer para tomar a decisão certa? Precisamos entender como o ser humano funciona tomando uma decisão.
Vou contar a história do meu cliente, João. Ele tomou uma decisão. Largou uma carreira estabelecida de sucesso pra ir viajar a fim de fazer o soul-searching. Depois de 5 meses, considerando a situação econômica difícil no Brasil e questionando o objetivo do seu trabalho realizado até então, não sabe o que fazer profissionalmente. E agora, João, como encontrar um novo foco profissional?
O que a ciência nos ensina sobre como o ser humano funciona em relação a decisões:
Cérebro pré-frontal
Em 1982 um paciente do neurocientista Antonio Damásio, chamado Elliot, mostrou um comportamento estranho após passar por cirurgia para a retirada de um pequeno tumor na região de sua testa, a região pré-frontal, levando a consequências trágicas. Elliot, antes um homem inteligente e trabalhador, se transformou num procrastinador crônico. Se tivesse que escolher entre a caneta preta ou a vermelha, não conseguia escrever mais uma palavra. Esse nível de incapacidade de exercer escolhas o tornou incapaz de fazer suas tarefas mais rotineiras. Muito embora seu raciocínio lógico continuasse muito bom, pois o QI dele não mudou, era incapaz de tomar decisões. Pesquisando esse caso, Damásio constatou que Elliot perdeu a conexão com o sentir (que acontece na amígdala). Elliot não sentia mais tristeza, impaciência ou frustração. Não podia tomar uma decisão porque “sentia” sempre o mesmo. Pesquisando mais casos parecidos, Damásio percebeu que as pessoas que perdiam a capacidade de sentir também perdiam a capacidade de tomar decisões.
Por séculos acreditamos que o ser humano é um ser racional e que na verdade os sentimentos atrapalham. Mas Damásio fez uma descoberta inesperada: sem sentir, a mente é impotente. As decisões são tomadas com base nas emoções e só depois serão racionalizadas, ou explicadas conscientemente. Assim , quando conseguimos encontrar um fluxo com sentido, chamamos de decisão racional, pois provavelmente se conecta com um circuito neuronal que inclui o verbal. Mas, quando tomamos uma decisão e não encontramos um fluxo racional de palavras para explicar, chamamos de intuição, pois o circuito decisório aqui está conectado a conhecimento anterior ao verbal (primeira infância, antes das palavras).
Há boas razões pelas quais o ser humano pensa e sente. O segredo de uma boa decisão é deixar as duas instâncias conversarem uma com a outra. O racional projeta futuro e as emoções trazem a experiência do passado…
Vamos voltar para as decisões que o João precisa tomar? Uma possibilidade é, em dias diferentes, escrever por 10 minutos a cada vez, respondendo:
- O que quero para mim como pessoa?
- Quais as minhas habilidades profissionais?
- O que posso fazer com as minhas habilidades profissionais?
Feito isto, João pode observar os pensamentos e sentimentos que circulam inconscientemente. A leitura dessas anotações pode fazer com que os sentimentos e o racional conversem entre si.
Onde há conflito?
O que não é congruente?
O que caminha alinhado?
Fazendo essa reflexão, João pode avaliar os custos e benefícios de itens importantes, e, dessa maneira, suas decisões se tornam mais conscientes e sólidas.
Texto originalmente publicado no Blog Lentes de Decisão no Estadão em 23/06/2020
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