“Eu sou uma farsa.”
“Não sei como cheguei até aqui.”
“Sinto que não estou fazendo o bastante.”
“Não reconheço minhas competências, não faço nada bem.”
“Isso não foi nada, era fácil, qualquer um poderia fazer.”
Desde que comecei a trabalhar com mentoria um dos temas que mais surge ao longo do processo é o fenômeno do(a) impostor(a), independentemente do tipo de mentoria em algum momento ficamos diante de uma situação em que a pessoa não se sente merecedora do sucesso alcançado e tem dificuldade de reconhecer as próprias conquistas. Estas frases são alguns exemplos do que tenho encontrado.
Embora seja um fenômeno complexo onde várias causas contribuem para seu desenvolvimento, tenho observado como o contexto social e características dos ambientes de trabalho potencializam este padrão de pensamento negativo e distorcido sobre si mesmo. Sem falar no impacto das redes sociais.
Nos ambientes de trabalho muito competitivos ou com alta pressão é comum que o desempenho seja constantemente avaliado e que seja preciso provar o próprio valor com muita frequência, uma comparação contínua gera insegurança sobre as realizações e em algum grau o fenômeno poderá ser observado na maioria dos colaboradores.
No contexto social, para mulheres a pressão para provar habilidades em ambientes dominados por homens ou campo historicamente masculinos, ou ainda a necessidade de se relacionar com diferentes papeis como profissionais, mães, parceiras pode fazer com que a sensação seja de não cumprir adequadamente nenhuma função; para os homens, a pressão social relacionada a desempenho, competência e sucesso e a sensação de fazer isso sem mostrar vulnerabilidade trazem à tona o fenômeno do impostor.
Estereótipos e vieses desempenham um papel significativo neste processo e por isso precisamos promover uma mentalidade mais aberta e inclusiva estimulando autoconsciência, aprendizado sobre diferentes culturas e grupos sociais. Fazer reflexões profundas buscando evidências sólidas e evitar generalizações simplistas pode ajudar na quebra de padrões e permitir observar fatores externos que estão contribuindo para que as pessoas não se sintam o suficiente.
Os casos são particulares, e a forma como se apresenta é diferente para cada um, mas alguns comportamentos podem ajudar a reconhecer a presença deste fenômeno e ajudar no traçado de formas de combater a situação.
- Dificuldade de aceitar elogios
- Autocrítica excessiva
- Dificuldade de internalizar o sucesso
- Sobrecarga de trabalho
- Baixa autoconfiança
- Comparação constante com os outros
- Perfeccionismo extremo
O primeiro passo para lidar com a situação é reconhecê-la e para isso temos que explorar e observar os comportamentos que estão presentes e o quanto eles impedem uma conexão com o potencial existente e minam a autoestima e autoconfiança.
Quando conseguimos reconhecer podemos buscar identificar os padrões existentes, os tipos de pensamentos e imagens criadas sobre a pessoa, que se apresentam nas suas falas frequentes, com uso de uma série de palavras como: “nunca”, “deveria”, “sempre”, “não”. Existem formas diferentes como o fenômeno se manifesta: os perfeccionistas, os super-heróis, os fortes, os especialistas, os geniais e em cada caso regras internas atuam influenciando a sensação de inadequação e farsa.
Para ajudar neste processo gosto de estimular as pessoas a observarem os fatos, como a promoção recebida, o elogio, a finalização de um trabalho, e, a partir deles notar os talentos presentes. O foco nestes talentos funciona como forma de combater os pensamentos impostores. À medida que estimulamos o reconhecimento dos pontos fortes, das conquistas importantes, realizações, e de coisas que admiramos em nós mesmos ou que poderíamos fazer para ajudar os outros, vamos trazendo a possibilidade de transformação. O convite é para colocar em prática pequenas ações focadas nos pontos fortes e desafiar os pensamentos negativos, falar sobre os sentimentos, se atentar aos fatos evitando comparações e aceitando os feedbacks positivos.
O processo de superação é gradual, e requer paciência. Os ambientes de trabalho, contextos sociais, estereótipos e vieses influenciam o sentimento de impostura por isso cada passo em direção a uma mentalidade mais saudável e confiante deve ser celebrado.
Se você se reconheceu neste texto saiba que não é a única pessoa com estes sentimentos e que é possível superar e buscar um equilíbrio. Até agora não encontrei ninguém que fosse de verdade uma farsa!
Publicado originalmente no BLOG Lentes de Decisão – Estadão Digital em 09/06/2023
Voltar