rolefulness: a ponte para mais saúde mental
Texto originalmente publicado no Blog Lentes de Decisão, Estadão Digital, cvaderno de Economia & Negócios, em 13/09/2023.
https://www.estadao.com.br/economia/lentes-de-decisao/rolefulness-a-ponte-para-mais-saude-mental/
Essa semana aprendi um novo conceito da psicologia, desenvolvido pelo Prof. Daiki Kato e por Mikie Suzuki (não sei se ela também é professora). Primeiramente, já foi encantador saber que conceitos milenares como ikigai e yarigai, muito conectados com a filosofia de vida japonesa, estão presentes nos recortes dos estudos científicos de psicologia. É muito interessante também perceber que indivíduo e comunidade estão presentes em conjunto nos estudos.
Antes de prosseguirmos com meus insights sobre saúde mental no trabalho a partir dessa visão da psicologia e da filosofia japonesas, vamos definir os três termos: ikigai; yarigai e rolefulness.
IKIGAI 生き甲斐 indica a fonte de valor na vida de uma pessoa, as coisas que fazem a vida valer a pena.
Num nível mais profundo, IKIGAI é essencialmente o processo de cultivar o seu potencial interior e aquilo que torna a sua vida significativa. É uma experiência humana universal que todos desejamos.
YARIGAI やりがい– O que vale a pena fazer
Palavra de uso comum, yarigai ajuda os japoneses a entenderem suas atividades e desafios da vida diária e os orienta a fazer coisas que valem a pena; também os apoia na valorização dos esforços dos outros e dá-lhes motivação para desafios futuros.
ROLEFULNESS – “o sentimento contínuo de satisfação com o papel que temos em nossas vidas diárias”.
O novo conceito psicológico inclui 2 sub fatores: “rolefulness social” e “rolefulness interno”. O social é a satisfação do papel com base em experiências sociais, como relações interpessoais e relacionamentos. O interno é uma satisfação de papel formada pela internalização do rolefulness social e inclui identidade e confiança.
O rolefulness é o conceito que está no coletivo e no individual, pois depende de um reconhecimento, função e relevância para o grupo do qual a pessoa que carrega o papel faz parte e, por outro lado, atua em dimensões internas como confiança e senso de identidade. Outro aspecto importante é que rolefulness faz um caminho de internalização do social para o interno (individual). Trocando em miúdos, quando se tem um papel no grupo ao qual se pertence, papel este necessário para o grupo, ocorre uma satisfação/ prazer que faz o indivíduo ganhar confiança e dá contornos à sua identidade.
Os autores também apontam em seus estudos uma forte correlação entre rolefulness e saúde mental. Enquanto rolefulness está associado à competência social, a confusão no papel – o reverso de rolefulness – leva a desajuste social e mental.
O conceito também confirma algo que sabemos intuitivamente: precisamos tanto da auto expressão quanto da colaboração para que a satisfação e significado ao exercer um papel possam se dar. A auto expressão vem tanto do yarigai quanto do ikigai. Me explico: o sufixo GAI em ambas palavras significa EFICÁCIA/ FORÇA MOTRIZ. YARI tem a ver com comportamento e IKI tem a ver com sentido da vida. Assim, Yarigai seria algo como auto eficiência com base no comportamento e Ikigai seria as ações que dão sentido à vida.
Os nossos papéis são a matéria prima para alcançarmos tanto o yarigai quanto o ikigai. É no papel – independentemente de qual seja – que se abre a passagem que faz de cada um um ser autêntico em constante realização e parte de um tecido social.
E daí fiquei pensando em nossas empresas e nos papéis que são desenhados para as pessoas/ colaboradores. Estamos fazendo as reflexões corretas sobre esses papéis? Como desenhá-los de forma mais humana, permitindo mais autenticidade, significado, conexão? Como evitar a confusão de papel, em que se apresenta uma dificuldade de sentir ou ver valor naquele papel?
O caminho da eficácia e da saúde mental estão intimamente conectados, indo um pouco na contramão do ditado popular “primeiro obrigação e depois diversão”. Outro insight interessante que tive foi com relação à satisfação no trabalho: não é um objetivo a ser alcançado, mas antes um indicador sobre a eficiência nos papéis e artefatos que apóiam a realização dos mesmos. Assim, não é sobre buscar mitigar sintomas nos indivíduos, mas antes refletir sobre seu dia a dia, tarefas, papéis.
Assim como o Ikigai, o rolefulness tem a ver com as atividades cotidianas, diárias. É ali mesmo, no passinho miúdo de cada dia, que precisamos garimpar o ouro. É no ato de cumprimentar as pessoas, engajar-se em ações e atividades coletivas que podemos integrar as partes social e interna do rolefulness.
Aqui vão algumas afirmações da escala de rolefulness desenvolvida por Kato e Suzuki:
Rolefulness social:
Sou útil no grupo a que pertenço
Meu papel é necessário para outras pessoas
Tenho um papel no grupo de que faço parte
Rolefulness interno:
Ganho confiança por causa do meu papel
Meu papel traz à tona minha individualidade
Estou satisfeito com meu papel
Imagine o tamanho da revolução no desenho organizacional no momento que essas reflexões tiverem lugar e essas vozes forem efetivamente ouvidas.
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