tubarões corporativos
Texto originalmente publicado no Blog Lentes de Decisão, Estadão, em 23/08/2022.
https://economia.estadao.com.br/blogs/lentes-de-decisao/tubaroes-corporativos/
Pense em alguém controlador, agressivo e que quer as coisas do seu jeito independente do que outros queiram. O mundo corporativo está repleto de pessoas assim em posições de poder. E eles estão lá, mesmo que quase ninguém goste. Se em geral as pessoas não gostam de trabalhar para ou com mandões, por que é que eles continuam se destacando, ocupando posições de poder e liderança? Como eles se mantêm? Prof. Deborah Gruenfeld, da Universidade de Stanford, ajuda a entender esse fenômeno intrigante.
“Há uma tendência das pessoas em permitir que outras pessoas reivindiquem dominância sem resistir. As pessoas dominantes tendem a ter sucesso mesmo que as outras pessoas não gostem delas ou as respeitem tanto assim. ” (Universidade de Stanford, Journal of Experimental Social Psychology)
Vivemos num mundo em que socialmente há uma expectativa de que a dominância deve ser acatada. Frequentemente escuto de clientes com chefes dominantes que não entendem porque todo mundo age como se respeitasse e admirasse o mandão. Essa dinâmica de grupo é poderosa e permite que chefes ruins se mantenham no controle mesmo quando o resto da organização não aprova suas táticas.
O recente artigo da Prof. Deborah Gruenfeld e Emily Reit, PhD em 2022, sugere que as pessoas acreditam que os outros respeitam pessoas dominantes muito mais do que de fato acontece e essa leitura errônea acaba sendo um fator importante para acatar o líder mandão. Além disso, muitas vezes a autoconfiança de alguém mandão pode ser vista como competência…
Cobras criadas e tubarões são alegorias frequentemente usadas para referir-se aos dominantes. Essas imagens não ajudam, pois quem em sã consciência quer andar com cobras ou nadar com tubarões? Muitas vezes essas imagens geram bloqueios para o crescimento profissional, uma vez que é muito comum ter mandões em altos cargos ainda hoje. Imagino que cobras e tubarões não estejam em extinção no mundo corporativo e que eliminá-los por completo também traz seus problemas. Como lidar com eles e continuar crescendo e se desenvolvendo?
Certa vez fiz um exercício com uma cliente que havia acabado de conquistar uma posição de diretora e se sentia intimidada de nadar com os tubarões. O sentimento era forte o suficiente para fragilizá-la, faz duvidar de si mesma. E de outro lado, ela não queria ser vista ou se tornar um tubarão. Pedi que ela imaginasse que tinha uma pulseira no braço que permitia que ela nadasse com os tubarões sem ser atacada. Com a pulseira imaginária, a cliente se permitiu entrar no tanque de tubarões e nadar entre eles. Foi ganhando cada vez mais conforto em ser como era e estar entre eles. Aos poucos percebeu que podia estar alerta, se cuidar no meio dos tubarões, nadar com eles sem se tornar um. Depois de alguns anos essa cliente conta que agora ela é um tubarão do bem. Sabe usar a sua potência para realizar seus objetivos e propósito.
Todos contribuem para gerar as regras tácitas nas organizações. Se a regra é que os dominantes mandam, as coisas não mudarão enquanto esses mandões não forem penalizados. Se eles perderem aprovação, se as pessoas estiverem dispostas a mostrar que a cultura organizacional não aceita certos comportamentos, essa pode ser uma punição real e poderosa, uma vez que a dominância requer que outros a aceitem. Mesmo os mandões têm necessidade de pertencimento e, portanto, de aceitação.
Espero que a pulseira que ajuda a nadar entre tubarões favoreça a criar tensões e sinais sutis de desaprovação aos chefes ou pares ruins. Um olhar mais prolongado ou de reprovação pode ter mais poder do que imaginamos, especialmente se mais e mais pessoas usarem esse feedback sutil. E assim a cultura organizacional pode evoluir sem necessariamente jogar os tubarões para fora do tanque.
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